Analisando os Erros de Artigos Científicos Criacionistas, Parte 7 – O resto, Parte 2

Queridos leitores, sejam bem-vindos de volta à nossa série onde avaliamos a validade dos artigos científicos que supostamente sustentariam a validade do Design Inteligente dentro da ciência. Veja a introdução da série AQUI.

Sem mais delongas, vamos continuar.

David L. Abel and Jack T. Trevors, “Self-organization vs. self-ordering events in life-origin models,” Physics of Life Reviews, Vol. 3:211–228 (2006).

Já comentamos semana passada sobre David L. Abel – o dono da Origin of Life Science Foundation, organização fictícia cuja sede era sua própria casa.

E, honestamente, nessa o Abel está de parabéns. Conseguiu publicar na Physics of Life Reviews, um periódico com fator de impacto bem alto – 13, na última medição. Acho que, das publicações avaliadas até agora, essa é a mais bem-posicionada.

Porém, esse artigo cai no erro que mencionamos no último texto, a crítica mais comum aos trabalhos de David Abel: Eles não fornecem nenhuma evidência direta. Este artigo não é um artigo de estudo original, com experimentos e evidências, e sim um artigo de revisão. Artigos de revisão tem um papel importante dentro da ciência, mas é perigoso usá-los como evidência decisiva. Eles são um compilado interessante de evidências, mas as conclusões deles ficam um pouco a cargo do autor, e de seus possíveis viéses.

O artigo é bastante bem-escrito, e sua conclusão final é que “Auto-Organização” seria um conceito impossível, especialmente em sistemas biológicos. Ele propõe que a maioria dos eventos chamados de “auto-organização” seriam, na verdade, “auto-ordenamento”. Parece uma definição arbitrária mas, para Abel, ela é significativa: “Auto-Organização” envolveria a necessidade de uma escolha.

Há uma seção inteira dedicada à afirmar que não existem provas de auto-organização em sistemas biológicos, o que me parece uma tentativa de tampar os ouvidos e fingir que a realidade concorda com você, junto de um bocado de típica retórica criacionista, com definições arbitrárias de o que é evidência, e o que é organização e informação. A definição de organização, particularmente, me pareceu conflitante com a definição que encontrei em outros lugares – o artigode Abel afirma que auto-organização implica “na escolha proposital dentre as opções reais”. As citações que ele usa para apoiar essa informação são… Outros artigos dele mesmo. “É verdade, de acordo comigo mesmo” não é exatamente um argumento forte. Este artigo aqui, publicado na Nature, define Auto-Organização de forma bem diferente: “Auto-organização pode ser definida como a formação de estruturas com padrões complexos através de interações internas locais, sem auxílio de um molde ou blueprint externo”. A própria wikipedia (Que é tratada com um preconceito indevido) define como “um processo onde certa forma de ordem emerge das interações locais de um sistema inicialmente desordenado”. Não mencionam escolhas ou qualquer tipo de intencionalidade.

Minha leitura do artigo é que David Abel proclama que todos estão errados e ele está certo. Desde então, porém, encontrei diversos usos do termo Auto-Organização (Self-Organization, em inglês), em artigos que envolvem estudos sobre solo, ecosistemas, no comportamento de insetos e em estruturas biológicas, como o embrião humano. Também achei outros exemplos de processos biológicos onde há auto-organização, como na formação de membranas lipídicas e na organização de proteínas. AQUI tem mais alguns exemplos, e AQUI mais outros.

É possível que todos estejam errados e as definições arbitrárias de Abel estejam corretas? Sim. Mas não me parece muito provável, e não é a aposta que eu faria.

Veredito: Artigo de qualidade razoável publicado em excelente periódico, mas não traz evidências novas e suas definições conflitam com as encontradas em outros lugares. Ainda que não ataque diretamente a evolução ou proponha diretamente o design inteligente, é menos covarde nas implicações que a maioria dos artigos que vimos nessa série – mas, ao meu ver não faz um trabalho bom o suficiente para criar um caso consistente contra a evolução. O fato de a Evolução continuar de pé e sendo consenso entre os biólogos 10 anos depois da publicação é prova disso. Viola um pouco os itens 2 e 3 da lista de critérios que introduzimos no começo dessa série.

 

Frank J. Tipler, “Intelligent Life in Cosmology,” International Journal of Astrobiology, Vol. 2(2): 141-148 (2003).

Frank J. Tipler é um físico empregado pela Tulane University. Ele é conhecido pela sua cosmologia do “Omega Point”, que é uma das maiores loucuras que já li na vida – um suposto estado cosmológico que, segundo Tipler, é inevitável de acordo com as leis da física. No Omega Point, a capacidade computacional criada pela vida inteligente tenderia ao infinito, e tornaria possível fazer emulações de todos os possíveis universos simultaneamente, essencialmente dando à essa capacidade computacional a capacidade de ressuscitar os mortos, ser onisciente e onipotente. É uma forma de singularidade, e, segundo ele, o Omega Point seria Deus.

Se você não entendeu nada do parágrafo, honestamente, bem-vindo ao clube. Se quiser tentar entender melhor as ideias do Tipler, pode tentar fazê-lo na página da wikipedia sobre ele. Não vale a pena gastar muito mais tempo revisando a vida profissional do Tipler, porque o coitado acabou sendo arrastado para uma briga que não é dele, como criacionistas costumam fazer.

O trabalho citado? Ele não faz nenhum argumento contra a evolução, ou pelo Criacionismo. Nada. A única menção que ele faz é sobre a extrema improbabilidade do surgimento de vida inteligente no universo – uma hipótese que é sim defendida por cientistas sérios (O que não significa que ela esteja certa – atualmente, nós simplesmente não sabemos).

Mas, mesmo se a vida inteligente for improvável ou única, a vida em si não é, e a evolução atua normalmente sobre vida não-inteligente. E, em nenhum momento, Tipler diz algo diferente disso.

Honestamente, não entendi a inclusão desse artigo na lista. Me parece que o Discovery quis simplesmente inflar o número de artigos e colocaram qualquer coisa, crente que ninguém seria desocupado o suficiente para checar os artigos. Obviamente, não contavam com a minha astúcia.

Veredito: O artigo não tem nada a ver com o assunto. Viola totalmente o item 3 da nossa lista de critérios.

 

Michael J. Denton, Craig J. Marshall, and Michael Legge, “The Protein Folds as Platonic Forms: New Support for the pre-Darwinian Conception of Evolution by Natural Law,” Journal of Theoretical Biology, Vol. 219: 325-342 (2002).

Este artigo se trata da visão pré-darwiniana da natureza, que residia, segundo os autores, na “Lei Natural” defendida, entre outros, por Platão, e na busca de “formas”, que seriam determinantes naturais de estruturas biológicas. O que esse artigo tenta demonstrar é que a estrutura de proteínas teriam sua forma determinada por Lei Natural e não seleção natural, devido ao número finito de configurações que podem adotar sendo compostas pelos aminoácidos que as compõem.

De forma similar ao artigo anterior, não importa muito se o artigo está certo ou não – ele não nega a evolução e sequer menciona o Design Inteligente. Ele apenas menciona que, na visão dos autores, uma pequena parcela da biologia (estrutura de proteínas) é governada por Lei Natural invés de Seleção Natural. Eles sugerem que, se isso é verdade para as proteínas, deve ser para outras coisas, mas em nenhum momento dizem que a seleção natural não governaria mais nada. Além disso, é um trabalho de biologia puramente teórica, e um trabalho de revisão, sem trazer novos dados. Novamente, me parece que os criacionistas se apropriaram de um trabalho que não tinha em mente a sua ideologia. E uma pesquisa rápida levanta alguns estudos da relação de enovelamento proteico e seleção natural (AQUI, AQUI e AQUIAQUI, este último sendo um texto de divulgação com várias referências). Alguns desses artigos fazem referência à design; não caiam em mentiras, não tem nada a ver com Design Inteligente.

Assim, não sei se esse artigo foi bem-recebido pelos biólogos – mas, como eu disse, não importa, o artigo não tenta atacar a evolução e muito menos dar qualquer tipo de suporte ao Design Inteligente, e portanto, é irrelevante para a nossa discussão.

Veredito: O artigo não tem nada a ver com o assunto, e, até onde é do meu conhecimento, não se tornou uma ideia aceita dentro da biologia. Viola o item 3 da nossa lista de critérios.

 

Stanley L. Jaki, “Teaching of Transcendence in Physics,” American Journal of Physics, Vol. 55(10):884-888 (October 1987).

Eu não vou perder tempo com esse, pois é algo da Física, bem longe da minha área, e, tal qual os artigos acima, não tem nada a ver com o assunto. Além disso, batendo o olho no artigo, ele me parece ser bastante anti-científico, fazendo afirmações sobre uma quase certeza da existência de um criador, que poderia ser inferida segundo o artigo. Isso é bastante ridículo, e entra em conflito com o Naturalismo Metodológico, um dos pilares da ciência (principalmente das ciências naturais como biologia, física e química), e que honestamente merece um texto só sobre o assunto – mas, basicamente, significa que a ciência parte da presunção que a realidade é governada por processos naturais, que podem ser medidos, quantificados, experimentados. Essa presunção é necessária para a aplicação do método científico. Isso não significa que seja a única verdade possível – o naturalismo é metodológico, ou seja, se aplica apenas à metodologia da ciência, é apenas uma condição necessária para que o método seja aplicável, mas é necessário para evitar que a ciência persiga explicações sobrenaturais infrutíferas. É como a regra do impedimento do futebol: ela existe porque, do contrário, o jogo (ou, no caso, o método científico) não funciona. Honestamente, o artigo me parece ser muito mais filosófico do que científico.

Mas isso não sou eu quem decido, e sim os Físicos – novamente, o que importa para nós agora é o que o texto diz sobre evolução, e a resposta é: Nada. A questão de Evolução vs Criacionismo não se trata da existência ou não de Deus, e sim de como a diversidade da vida na terra se desenvolveu. Deus existindo ou não – e essa é uma pergunta que eu não tenho a menor pretensão ou vontade de responder aqui – é fato que a diversidade da vida na Terra emergiu através da Evolução.

Veredito: O artigo não tem muito a ver com o assunto e, ao meu ver, é anti-científico, sendo mais adequado ao campo da filosofia do que da ciência. Na minha opinião, viola o item 2, mas decididamente viola também o item 3 da nossa lista de critérios.

E semana que vem, finalmente teremos a penúltima parte de nossa exaustiva série, analisando os últimos quatro artigos da lista. Após isso, faremos um levantamento final do que aprendemos, e das similaridades entre os artigos criacionistas.

Até lá!

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