Por que cebolas nos fazem chorar?
Corte uma cebola e seus olhos podem começar a arder e lágrimas irão escorrer pelo seu rosto. Cientistas têm investigado porque isso acontece há décadas. Agora, alguns pesquisadores descobriram uma nova peça desse complicado quebra-cabeça. Eles descobriram como um dos componentes vegetais que irritam os olhos se forma.
Para um vegetal comum, a química das cebolas é surpreendentemente fascinante, diz Erick Block. Ele não estava envolvido nesse novo estudo, mas esse químico da Universidade de Albany em Nova Iorque sabe muito sobre a química das cebolas.
Corte uma fatia e você irá liberar uma cadeia de reações químicas, ele afirma. Moléculas estáveis nos tecidos das cebolas tornam-se em um gás volátil que contém enxofre. Esse gás reage em contato com os olhos e gera pequenas quantidades de ácido sulfúrico. O ácido sulfúrico pode levar a coceira, queimação – e lágrimas.
Mas o processo é mais complicado que isso. Ele e outros cientistas têm lutado para chegar a uma resposta completa por mais de 40 anos. “Quanto mais compostos descobrimos, mais complicado o quebra-cabeça fica”, diz Block.
Determinando a reação em cadeia
Block tem trabalho no problema desde 1970. Ele determinou a estrutura de uma das moléculas de cebola que causa irritação nos olhos em 1979. Esse componente químico sulfúrico tem o nome de “lachrymatory factor”, ou LF.
A estrutura de qualquer molécula mostra a posição dos diferentes átomos que as compõem. Essa estrutura também mostra como os diferentes átomos se juntam. “Saber a estrutura [do LF] nos dá pistas de como a molécula é formada”, diz Block.
Ele sabia que a LF deve ser uma molécula diferente. Isso porque ela apenas causava a lacrimação nos olhos depois que a pele da cebola era quebrada. Ele também hipotetizou que a reação química deve ocorrer enquanto a cebola é cortada. Block pensou que essa reação química deve converter uma molécula estável em uma que evapora rapidamente e queima os olhos.
Algumas vezes as reações químicas precisam de uma ajudinha para iniciarem. É aí que as enzimas entram. “Enzimas são moléculas incríveis”, ele explica. Elas são iniciadoras naturais. Enzimas ajudam a iniciar ou acelerar reações químicas.
Block focou em uma enzima conhecida por “alliinase”. Ele mostrou que ela ajuda a acelerar reações químicas que convertem sulfóxidos – as moléculas estáveis em cebolas – em moléculas que irritam os olhos. Algumas plantas, como alho e cebola, produzem alliinase. Ela ajuda a produzir os químicos voláteis que dão também o sabor e o aroma desses alimentos.
Mais tarde, no início dos anos 2000, cientistas em uma empresa alimentícia do Japão descobriram uma segunda enzima importante em cebolas. Esses cientistas estavam procurando uma forma de fazer uma cebola que não causasse lágrimas. Eles pensaram em fazer isso fazendo com que a alliinase não disparasse a reação que levava ao ácido sulfúrico. Mas quando eles isolaram a alliinase e misturaram com os sulfóxidos, nada aconteceu.
Isso foi quando eles descobriram a sintase da LF. Os pesquisadores imaginaram que a alliinase ajudava a mudar o formato da molécula inicial de forma que a segunda enzima pode trabalhar nela. Ainda ninguém sabia com certeza. A estrutura da sintase de LF ainda era desconhecida. E sem essa informação, os pesquisadores não podiam decifrar a reação química completa.
Fazendo cristais
Marcin Golczak é um bioquímico na Case Western Reserve University em Cleveland, Ohio. Bioquímicos estudam as moléculas que funcionam em seres vivos. Golczak e uma equipe de pesquisadores queria saber como a LF se forma. Para fazer isso, eles transformaram a LF sintase em um cristal. Após isso, eles poderiam usar uma técnica chamada Raio-X de cristalografia para mapear sua estrutura.
Primeiro, os pesquisadores misturaram a enzima com um ácido. Isso fez com que os cristais crescessem na mistura. Então, eles congelaram os cristais em nitrogênio líquido e usaram uma câmera especial para disparar raios-x nos cristais. Quando esses raios atingiram o cristal, os raios-x espalharam-se. Medindo o ângulo dos raios espalhados, os pesquisadores foram capazes de construir uma imagem tridimensional da enzima.
A equipe de Golczack combinou essa imagem tridimensional com as pesquisas anteriores do que a enzima faz. A partir disso, eles fizeram um modelo de como a enzima se parece. “Ciência é um processo de construção. Você não descobre uma coisa e instantaneamente sabe tudo sobre como ela funciona. Existem muitas camadas”, Golczak explica.
Block acredita que o novo estudo é o próximo passo lógico para resolver essa questão de longa data. “É um pequeno pedaço, porém crítico, para resolver o quebra-cabeça”, ele diz.
A equipe de Golczak descreveu o que eles fizeram na edição de 15 de setembro da ACS Chemical Biology.
Sobre o porque as cebolas produzem essa reação química que irrita os olhos, Block acredita que provavelmente ajuda a planta a se defender de predadores. Os mesmos químicos que machucam os olhos humanos, também causam dor em outros organismos. Isso faz com que a planta seja menos atrativa a vida selvagem, insetos e até mesmo algumas bactérias e fungos.
“É uma reação intrínseca de milhões de anos”, diz Block. “Não tem como não admirar a beleza da natureza quando você começa a enxergar o que está acontecendo ao nosso redor a esse nível [químico]”.