Deletar e Implantar memórias já é uma realidade

Imagem de capa: Filme Total Recall, 1990, Carolco Pictures e TriStar Pictures

Imagine um mundo onde você possa apagar memórias desconfortáveis, ou as emoções associadas à elas. Perder o seu medo de aranhas, ajudar um soldado a suprimir seu estresse pós-traumático, ajudar alguém a lidar com a perda de um ente querido. Parece ótimo, não? Esse mesmo mundo, porém, é um mundo onde é possível convencê-lo – ou convencer testemunhas – de um crime que você não cometeu, apagar suas memórias felizes, moldar a sua personalidade contra a sua vontade. Agora parece um pouco mais assustador, não? Para o bem ou para o mal, é para esse mundo que estamos caminhando. Um documentário chamado “Memory Hackers”, recentemente realizado e exibido pela série NOVA, da emissora americana PBS, abordou o tema de maneira extremamente interessante, evidenciando os trabalhos de pesquisadores da área e as realizações que já são possíveis.

Um dos assuntos mais fascinantes abordados durante o documentário foi a possibilidade de deletar memórias e/ou emoções associadas à elas. O princípio dessa técnica está no experimento realizado pelo Drº Karim Nader, da McGill University (Universidade McGill), em Montreal/Canadá. Por muito tempo, se acreditou que a memória fosse um elemento estático – uma vez consolidada, ela ficaria armazenada no cérebro, para ser revivida a qualquer momento, da maneira que sempre foi. Nader, porém, mudou esse paradigma. Seu experimento consistiu em associar medo ao toque de uma sirene em um rato e, então, administrar um composto químico capaz de bloquear as proteínas necessárias pra a consolidação de uma memória. Se a ideia tradicional do funcionamento da memória estivesse correta, nada aconteceria, pois o medo da sirene já estava consolidado no rato. Mas não foi isso que Nader observou: A administração do composto efetivamente deletou a memória do medo da sirene. Surgia aí o conceito de re-consolidação: Quando uma memória é evocada, ela fica “vulnerável” à alterações. Após ser revivida, a memória precisará ser reconsolidada, necessitando das mesmas proteínas para reformar as conexões neurais que consolidam essa memória.

Essa descoberta foi a base do tratamento que a Drª Merel Kindt, da Universiteit van Amsterdam (Universidade de Amsterdam) passou a estudar e aplicar em seus pacientes – e com grande sucesso. De fato, o documentário mostra o processo sendo aplicado em pessoas aracnofóbicas e funcionar tão bem que as mesmas conseguiam acariciar uma tarântula sem problemas! O tratamento da Drª Merel se baseia em fazer o paciente vivenciar o medo pedindo-o para se aproximar e tentar tocar a tarântula. Então, a Merel administra Propanolol, um medicamento utilizado no tratamento de hipertensão que bloqueia a noradrenalina, um neurotransmissor que é utilizado pelo cérebro para transmitir ansiedade e medo, nas amígdalas cerebrais. Assim, a administração de Propanolol acaba interferindo com a reconsolidação do medo (que havia sido evocada pelo encontro com a aranha). No dia seguinte, após alguns minutos de tentativas, o paciente conseguia tocar a tarântula sem maiores problemas!

Naturalmente, tecnologias como essa trazem implicações éticas bastante preocupantes, como as que mencionamos no início do artigo. Ainda assim, sua eficácia no tratamento de fobias e outros distúrbios, mesmo nessa fase inicial, é bastante promissora, e certamente se tornará um tratamento estabelecido num futuro não muito distante.

Fontes:

NOVA S43E15 – Memory Hackers (Documentário em inglês, não disponível no Brasil pelo link oficial), Discovery News

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