A dependência do álcool pode ser comparada ao uso da maconha?
Indivíduos que relatam ter resolvido problemas com o uso da maconha no passado contam que o episódio ocorreu em uma idade mais jovem comparada àqueles que tiveram problemas com bebidas ou outras drogas; é o que apontam os estudos do Recovery Research Institute, no Hospital Geral de Massachussetts. Ainda que os participantes e ex-usuários de maconha tenham admitido ser muito menos comum precisar de ajuda formal ou profissional para resolver uma situação onde seu abuso seja presente, esse resultado foi também menos comum naqueles cujos problemas com o entorpecente foram resolvidos mais recentemente, o que pode refletir na crescente disponibilidade e potência da maconha nos últimos anos.
“Muito pouco é conhecido a respeito da recuperação do uso de cannabis, e este é o primeiro estudo a examinar esses efeitos em uma escala nacional”, disse John Kelly, PhD, diretor do Instituto de Pesquisa de Recuperação, que conduziu o estudo publicado na International Journal of Drug Policy. “Comparado com o álcool e outras drogas, cannabis recebe atenção especial de políticas federais e estaduais, continuando a ser proibida em âmbitos federais mas permitida a níveis estaduais dependendo de licenças médicas e recreativas. Devido à sua disponibilidade e proliferação em uma indústria que busca extrair lucro desses fatores, compreender a necessidade de indivíduos que enfrentam problemas com a cannabis também torna-se cada vez mais importante.”
O atual estudo analisa dados da Pesquisa de Recuperação Nacional, conduzida pela equipe de Kelly. Em uma amostra de pesquisa composta por 40 mil adultos americanos que participaram no Painel de Conhecimento da companhia de pesquisas de mercado GfK, foi feita a seguinte pergunta aos participantes: “Você costumava ter problemas com álcool ou outras drogas, mas não possui mais?”. De mais de 25 mil pessoas que responderam, 2 mil indicaram ter resolvido seus problemas e então foram conduzidos à pesquisa de estudo completo, onde foi feita uma variedade de outras perguntas como as substâncias envolvidas em seu relatado uso e os detalhes a respeito de quando e como suas situações foram resolvidas. Como relatado em um artigo publicado no ano passado na revista Drug and Alcohol Dependence, mais da metade de todos os envolvidos na pesquisa responderam que venceram seus próprios problemas sozinhos.
O estudo atual tem como foco os participantes que relataram abuso ou questões já superadas no passado envolvendo a maconha, que compõem um percentual de 11% dos envolvidos, refletindo em uma estimativa que representa 2.4 milhões de americanos. Comparado com aqueles lutando contra os males do álcool ou outros entorpecentes, aqueles envolvidos com o uso da maconha relataram começar com o uso habitual – uma vez ou mais durante a semana – em idades inferiores aos demais, mas também abandonando mais cedo o uso, em geral aos 29 anos comparado à média de 38 para álcool e 33 para as demais drogas.
Os usuários exclusivos de cannabis eram ainda menos prováveis de precisar receber tratamento formal ou serviços de ajuda do que aqueles envolvidos com drogas ilícitas – 18% contra 42% – mas também relataram sofrer mais problemas com a justiça do que usuários de álcool – 24% contra 8%. Além do mais, os “períodos de dependência” (entre a primeira experiência e o último uso da droga) também diferiram-se bastante: 12 anos para a maconha, 18 anos para a bebida, números que refletem e apontam o maior dano mental e físico que o álcool sustém, e a resistente ilegalidade da maconha.
“Nós esperávamos de fato que os indivíduos usuários de cannabis fossem menos familiarizados com tratamentos e ajuda profissional do que os outros grupos relacionados a outras drogas, mas muito pouco é conhecido sobre sua magnitude e a natureza de suas diferenças,” disse Kelly. “Isso pode ser devido à escassez de consequências fisiológicas e futuras quando comparada (a maconha) com outras sequelas deixadas por, por exemplo, opiáceos e bebidas. Ainda que haja uma já documentada e comprovada síndrome de abstinência atribuída à dependência de cannabis, outras crises de abstinência são notavelmente mais severas e até requerem desintoxicação médica supervisionada.”
Dados os níveis elevados de THC – o componente psicoativo da cannabis – nos produtos disponíveis hoje, a equipe investigou também se o uso de serviços de apoio também mudou ao longo do tempo. De fato, os pesquisadores descobriram que as ocorrências em que serviços de ajuda ambulatorial foram utilizados foram mais comuns nos últimos cinco anos e meio. Em comparação, os serviços de internação ou intervenção declinaram nos últimos vinte anos.
Kelly, professor de psiquiatria em medicina do vício na Escola de Medicina de Harvard, explica que as mudanças ocorridas no cérebro devido à maior concentração de THC encontrada na maconha de hoje – de 15% a 20% comparado a 1% a 5% nos últimos 20 anos – pode tornar difícil a abstinência ou até a sua desistência pelos seus usuários. Enquanto internações formavam a maior parte das intervenções e tratamentos de vício nas duas décadas anteriores, hoje já é muito mais comum oferecer um tratamento ambulatorial antes de qualquer outro.
“No atual cenário que temos com a cannabis mais forte do que nos últimos anos e a crescente disponibilidade de produtos derivados dela, é mais provável que indivíduos tenham mais dificuldade e precisem de maior ajuda em livrarem-se dela”, diz ele. “Agora, também será importante definir se o tempo de recuperação da cannabis de maior concentração será diferente ou mais desafiador. E como muitos dos principais grupos de usuários abdicaram de seu uso sem tratamento formal ou organizações de ajuda mútua como M.A. (Marijuana Anonymous) ou Narcóticos Anônimos, será crucial entender as mudanças em suas vidas que ajudaram a tornar a recuperação possível”.
Siga o Mural também no Facebook, no Twitter e no Instagram
###
Fonte da matéria: EurekAlert!
Fonte da imagem: Weed World Magazine