Stranger things e a Ciência
*Cuidado! Spoilers!!
A segunda temporada de Stranger Things acabou de sair e, assim como a primeira, ela está cheia de referências que não param apenas nos filmes, temos também as referências cientificas da época.
Talvez vocês não tenham prestado atenção no Professor Clarke, mas já em sua primeira aula, enquanto começa a introduzir o assunto “cérebro” para os alunos desinteressados, ele diz a seguinte frase:
As células as quais ele se refere são os famosos neurônios, e a mesma expressão deu o nome de um dos livros mais utilizados no estudo de neurociências usados nas universidades brasileiras, o famigerado Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência do Roberto Lent. A questão é: realmente possuímos 100 bilhões de neurônios?
Ninguém sabe ao certo de onde surgiu essa ideia e até 2009 não havia nenhum trabalho que comprovasse essa teoria. Antes que vocês fiquem curiosos, já aviso: temos quase 100 bilhões de neurônios. E essa descoberta deve-se a uma cientista brasileira chamada Suzana Herculano-Houzel, juntamente com o Lent. Suzana é formada em biologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com todos os seus títulos adquiridos na área da neurociência e uma longa carreira na investigação das diferenças entre os cérebros de animais.
O trabalho onde foi descoberto como calcular o número de neurônios se chama “Fracionador isotrópico: um método simples e rápido para a quantificação do número total de células e neurônios no cérebro” publicado no Journal of Neuroscience. O grande avanço descoberto foi transformar estruturas diferentes (anisotrópicas) em uma massa homogênea (isotrópica) e, por meio de uma coloração, tornar possível contar e distinguir células neurais de não-neurais.
Para o desenvolvimento da metodologia foi utilizado os órgãos do sistema nervoso central de ratos Wistar (cérebro, cerebelo, bulbo e demais áreas). Após a formação da massa homogênea, as células foram coradas com DAPI, uma substancia que dá cor ao núcleo das células. Para diferenciar os neurônios, foi utilizado uma outra coloração chamada NeuN. As laminas foram observadas em microscópio de fluorescência e o resultado está representado na imagem a seguir. Após a observação, a estimativa do número de células se dá pela multiplicação da densidade de células pelo volume da massa homogênea suspendida.
O número de células que o cérebro humano possuía foi revelado pouco depois pelo mesmo grupo da Drª Herculano-Hozel. Utilizando o mesmo método desenvolvido anteriormente, descobriu-se que o número aproximado é de 86 bilhões de neurônios. Mas o que essa descoberta traz de importante? O trabalho viu que o número de neurônios do humanos comparado a outros primatas são similares e seguem as proporções do tamanho da espécie. Dessa forma, a ideia de que os seres humanos se destacam dos outros primatas por terem mais neurônios não seria plausível.
Mas a questão que fica é: será que um Demogorgon apresenta um cérebro? E se sim, quantos neurônios teria? Seria ele mais desenvolvido do que nós? Quem sabe com as dicas do Professor Clarke e a espécime escondida na geladeira de Joyce Byers, possamos esclarecer essa dúvida um dia.
Referências:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2776484/
Azevedo F. A., Carvalho L. R., Grinberg L. T., Farfel J. M., Ferretti R. E., Leite R. E., Jacob Filho W., Lent R., Herculano-Houzel S. (2009). Equal numbers of neuronal and nonneuronal cells make the human brain an isometrically scaled-up primate brain. J. Comp. Neurol. 513, 532–54110.1002/cne.21974
Herculano-Houzel S., Lent R. (2005). Isotropic fractionator: a simple, rapid method for the quantification of total cell and neuron numbers in the brain. J. Neurosci. 25, 2518–252110.1523/JNEUROSCI.4526-04.2005