Climategate? Fraudes em Estudos de Aquecimento Global? Não é Bem Assim

Nas últimas semanas, o Aquecimento Global voltou a ser pauta de discussão inflamada na comunidade leiga (E apenas na leiga), principalmente dentro do youtube. Já fiz um texto à respeito do consenso científico sobre o aquecimento global semana passada, direcionado diretamente à responder a afirmação de Ricardo Felício, professor da USP, sobre a existência ou não de um consenso dentro da academia (Spoiler: 97% dos cientistas climáticos que publicam com frequência na área concordam com o Aquecimento Global Antropogênico, e esse número foi consistente em vários estudos. Mesmo o mais conservador deles apontou um mínimo de 90% de concordância). No texto de hoje, quero abordar outra questão que foi levantada pelos negacionistas (E nem tanto especificamente pelo Prof. Ricardo): O suposto “Climategate”, o escândalo ético que teria revelado fraudes nos dados do aquecimento global para tentar manipular a comunidade acadêmica para que “acreditasse” no Aquecimento Global Antropogênico.

Mas será que esse é realmente o caso? Nós aqui do Mural pesquisamos sobre o assunto, e trazemos o que de fato aconteceu.

A história começou quando centenas de conversas por e-mail entre climatologistas vazou dos servidores da Climate Research Unity (Unidade de Pesquisa em Clima) da University of East Anglia. Obviamente, foi Natal em Novembro para os negacionistas (auto-intitulado “Céticos”, que de céticos não tem muito) do aquecimento global antropogênico. Algumas das sentenças, de fato, pareciam extremamente incriminadoras inicialmente. Porém, naturalmente, as frases foram tiradas de contexto – e contexto é tudo, ainda mais em uma conversa entre dois cientistas. Bob Ward, diretor de políticas e comunicação da Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment at the London School of Economics, comentou o caso na época ao The Guardian, em 2009, comentando sobre como “um truque” pode ser desde uma manipulação ou fraude de dados até um atalho ou solução engenhosa para um problema. É difícil fazer esse tipo de julgamento sem analisar o contexto completo – coisa que os negacionistas obviamente não mencionaram, focando invés disso em tentar criar hype em cima das frases isoladas.

Mesmo no dia que os emails vazaram, porém, o caso já não era nem de perto o prego no caixão do aquecimento, como os negacionistas até hoje tentam afirmar. Bob Ward fez questão de realçar ao The Guardian que os emails vazados lidavam basicamente com  dados paleoclimáticos – ou seja, a reconstrução do clima em tempos remotos através de dados advindos de círculos de árvores e núcleos de gelo. Mesmo se todos os dados paleoclimáticos caíssem por terra (E não se tratava nem disso, já que os emails lidavam com apenas uma parcela dessa área), o Aquecimento Global ainda seria confirmado por diversas outras linhas de pesquisa além dos dados paleoclimáticos. Incluindo a física básica das moléculas de Carbono.

O site Skeptical Science, uma das principais organizações de conscientização sobre a realidade do Aquecimento Global, colocou duas das frases mais utilizadas pelos negacionistas advindas desses emails no devido contexto. Uma é de Phil Jones, que diz:

“Acabei de completar o truque do Mike da Nature, de adicionar as temperaturas reais em cada série nos últimos 20 anos (de 1981 para frente) e de 1961 do Keith para esconder o declínio”

Era sobre esse email que se trata a confusão sobre “truques” que Bob Ward se referiu. Não se tratava de uma manipulação de dados e sim de sua apresentação – plotar dados instrumentais recentes junto dos dados reconstruídos, de forma a colocar as mudanças de temperaturas atuais no contexto do clima ao longo de vários séculos. Esse mesmo truque foi usado em um artigo na Nature em 1998, às vistas de toda a comunidade, porque não se trata de manipular os dados.

Mas isso nem é o mais importante – o mais importante é o “declínio” citado que eles querem “esconder”. Batendo o olho na frase, parece que os cientistas encontraram um declínio nas temperaturas e tentaram esconder isso. Não é o caso. O declínio mencionado é o declínio de confiabilidade de se usar anéis de troncos de árvores para medir mudanças na temperatura a partir dos anos 60. Os anéis são ótimos para medir temperaturas de séculos passados, mas não para medir temperaturas recentes. O “truque” se trata de calibrar os dados para que esses dados menos confiáveis sejam colocados em outro contexto. É uma técnica de tratamento de dados, não uma fraude. Não usar essa técnica levaria à dados não confiáveis. Você pode ler mais sobre esse declínio de confiabilidade CLICANDO AQUI.

A segunda frase é de Kevin Trenberth, e diz: “O fato é que não conseguimos considerar/explicar a falta de aquecimento no momento e é uma desgraça que não consigamos”. Essa frase foi muito alardeada pelos negacionistas como uma admissão de derrota por parte do pesquisador (Que é membro do IPCC). Não se trata disso. Nesse email, Trenberth estava contando aos colegas sobre um novo artigo que ele publicou, que pode ser encontrado CLICANDO AQUI, onde ele basicamente reclama que apesar do aquecimento global ser um fato, existem variações nas temperaturas anualmente, e os modelos da época não eram capazes de “rastrear” para onde essa energia extra – que definitivamente, comprovadamente existe – vai parar. O artigo se trata justamente de pressionar a comunidade acadêmica para correr atrás de formas de desenvolver esse método de rastreamento e/ou explicação. Não sei se esse método já foi desenvolvido, mas isso não importa – o ponto é que o Dr. Trenberth não estava admitindo uma falta de aquecimento, e sim da falta da capacidade da sua área em rastrear onde essa energia ia parar dentro do sistema climático. Minha explicação não foi das melhores e não deve ser usada literalmente – para algo mais técnico e detalhado, consultem CLICANDO AQUI.

Obviamente, o caso foi extensivamente e seriamente investigado após as acusações iniciais. Não era uma acusação sem mérito, as frases de fato pareciam comprometedoras à primeira vista, e ética na ciência é sempre levada à sério (é um dos pilares fundamentais que permitem à ciência gozar da credibilidade que goza atualmente). Investigações foram feitas por diversos órgãos governamentais e independentes dos Estados Unidos e Reino Unido. Todas as investigações concordaram que não houve fraude. Deixo aqui reportagens sobre sete dessas análises, todas exceto duas de órgãos diferentes, basta clicar nos números: UM, DOIS, TRÊS, QUATRO, CINCO, SEIS, e SETE. Não está satisfeito? A Union of Concerned Scientists tem mais material para você, basta CLICAR AQUI.

Portanto, o “Climategate” foi um vazamento de emails tirados fora de contexto, que mesmo se fossem evidências de manipulação de dados teriam atingido apenas uma linha de evidências dentro das diversas que sustentam o Aquecimento Global, e que, mesmo assim, a honestidade dos pesquisadores foi comprovada após investigação por diversos órgãos.

Portanto, não, não houve fraude, e o Climategate não colocou em cheque a credibilidade dos cientistas envolvidos. O aquecimento global continua sendo consenso entre cientistas, e esse consenso advém da quantidade esmagadora de evidências em seu favor, advindas de diversas áreas e linhas de pesquisa da climatologia. Você pode ler mais sobre algumas dessas evidências CLICANDO AQUI.

No fim do dia, a mensagem que quero passar é: tomem cuidado com teorias conspiratórias.

A Rationalwiki também tem um bom texto sobre o assunto, em inglês.

sobre-o-autor-lucas-rosa