Edição de embriõs humanos: Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades
Imagem de capa: Ernesto del Aguila III, Nhgri, Domínio Público, extraída de Scientific American.
No filme GATTACA, do diretor Andrew Niccol, o protagonista Vincent Freeman é considerado inferior por ter um genoma sem manipulações em uma sociedade onde o sucesso está atrelado ao código genético melhorado em laboratório. Em 1997, quando o filme foi lançado, essa realidade era distante o suficiente para não precisarmos debater as consequências disto.
A manipulação genética, apesar de o termo ainda ter muita cara de ficção científica, já é real faz anos. Nós já conseguimos sequenciar genomas, cortá-lo em locais específicos, copiar sequências aos milhões, fazer com que genes não se expressem mais e até mesmo inserir genes que um organismo não teria naturalmente. Para a biologia, isto tudo permitiu que inúmeras descobertas fossem feitas e a partir daí outros campos como a medicina e a agropecuária puderam avançar.
Uma tecnologia que surgiu como um marco na biologia molecular foi a reação em cadeia da polimerase (a famosa PCR), que foi revolucionária quando criada, em 1983, permitindo que fossem feitas milhões de cópias de uma sequência genética desejada. Em 2012, Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna fizeram uma descoberta que resultou em uma tecnologia que se equipara ao impacto que a PCR teve em sua época (uhul, mulheres na ciência!).
Elas descobriram como funciona uma espécie de sistema imune em bactérias, formado por sequências curtas repetidas agrupadas regularmente interespaçadas no genoma ou CRISPR, da sigla em inglês (bem mais simples, convenhamos). Essas sequências eram separadas por genomas de vírus que haviam entrado no cromossomo bacteriano. A partir disto, foi descoberto que uma proteína chamada Cas9 identifica a sequência CRISPR e corta o que está no meio, ou seja, o DNA viral. Este mecanismo ainda copia este trecho de DNA viral em uma molécula de RNA, que fica acoplada à Cas9. Isto permite que, se for encontrado um DNA viral conhecido no meio da sequência CRISPR, o complexo RNA-Cas9 identifica essa mesma sequência no cromossomo bacteriano e a remove.
Nada de muito revolucionário até aí. O negócio é que esse mecanismo permite que virtualmente qualquer sequência de RNA seja acoplada a uma proteína Cas, que corta a sequência correspondente do DNA do genoma de um organismo qualquer. Ou seja, desde que se saiba a sequência alvo, é potencialmente possível retirar qualquer parte do DNA e colocar outra no lugar de uma maneira muito simples, eficiente e (mais importante) barata, permitindo que muitos cientistas usem desse artifício em suas pesquisas.
O trabalho de Charpentier e Doudna foi publicado em 2012 e a tecnologia já foi utilizada para vários fins: tratar camundongos com distrofia muscular, causar esterilidade em mosquitos transmissores da malária, tirar o vírus HIV de células humanas e até modificar embriões humanos.
Este último causou muita polêmica em abril de 2015, quando foi publicado por um grupo de cientistas chineses. Eles selecionaram zigotos humanos que seriam descartados por clínicas de fertilização por serem inviáveis, e usaram a tecnologia CRISPR/Cas9 para manipular o gene responsável pela beta talassemia, uma doença que afeta células do sangue. O resultado obtido não foi dos mais favoráveis, mas acendeu um debate ético acirrado.
Caso a pesquisa fosse bem sucedida, os resultados teriam potencial para erradicar doenças genéticas ainda na fase embrionária, mas quais são as implicações morais da manipulação genética humana? Esta tecnologia deve ser utilizada em quais casos? Ela estaria disponível para todos? Quais características podem ou não ser manipuladas? Imagine um mundo onde somente aqueles que têm dinheiro podem manipular características como cor da pele e olhos, formato do corpo e até mesmo inteligência. É, precisamos falar sobre GATTACA.
Para mais informações:
http://www.nature.com/news/crispr-the-disruptor-1.17673#b1
http://www.nature.com/news/embryo-editing-sparks-epic-debate-1.17421