A Loucura como Representação Social
Refletindo sobre os aspectos da loucura, a abordagem do fenômeno como representação social já é por si um tema amplo e complexo. Amplo porque é um fenômeno que acompanha a humanidade desde tempos imemoriais. Em cada momento histórico a loucura foi sofrendo transformações e ganhando novos significados. Complexo porque a loucura se dá na relação do indivíduo em sociedade. E assim, a nossa tentativa é compreender a loucura a partir das representações sociais, dos significados que foram atribuídos à loucura na vida em sociedade, daquilo que se fala e se cala a seu respeito, revelando o seu caráter social de exclusão e individual de sofrimento.
Para desenvolver a ideia foi necessário desdobrar o conceito de representações sociais para que ao mesmo tempo o fenômeno da loucura fosse desvelado. Tais representações surgem como uma necessidade social de domínio das situações desconhecidas do dia a dia. A sociedade, neste aspecto, não pode ser considerada uma massa simplesmente, mas, conforme Moscovici, um sujeito pensante capaz de recriar e compartilhar representações, mesmo que à distância: de pessoas, objetos, acontecimentos e ideias.
A partir desse olhar sobre a sociedade pensante, foi elaborado o conceito de representações sociais, que fundou a Teoria das Representações Sociais elaborada por Moscovici. Tal conceito é muito amplo, porque articulam-se os elementos afetivos, mentais, sociais e integrado – ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação (JODELET, 2001, p.26). Contudo, de início as representações sociais são definidas como uma teoria ou conhecimento do senso comum, que de acordo com Moscovici, podem ser chamadas de “ciências coletivas”, pois ao ressignificar e reconstruir socialmente as ideias científicas e, assim, buscar explicações e respostas de forma imediata, assim, se vai constituindo o mundo das opiniões e crenças.
Ademais, as representações sociais tem um caráter de conhecimento prático, pois visa à resolução prática dos problemas cotidianos, por isso, tal conhecimento é funcional. É neste sentido que procuramos compreender a relação prática das representações sociais com o fenômeno da loucura. Para tanto, tal conhecimento se desdobra em quatro funções. Estas ideias são: 1 – Um saber que ao ser construído socialmente, busca se ampliar tendo como função uma melhor compreensão da realidade, onde o fenômeno se apresenta (função de saber); 2 – um conhecimento, sem muita objetividade, que permite identificar e classificar a loucura e o louco, por meio de observações e rótulos (função identitária); 3 – um conhecimento que segue uma lógica informal e que orienta os procedimentos e práticas em relação aos indivíduos tidos como loucos (função de orientação); 4 – por fim, esse saber serve para justificar essas práticas e procedimentos cotidianos (função de justificação).
Por que a loucura pode ser considerada um fenômeno de Representações Sociais?
De acordo com a Teoria das representações Sociais a loucura, enquanto objeto, atende todas as condições de representação social, porque além de ser objeto de fala é também algo que tem uma relevância para a vida do grupo; é um fenômeno que está presente no universo do senso comum; há uma correspondência entre o pensamento social da loucura e as práticas sociais dirigidas a ela; além do mais, Moscovici fala de três condições de emergência que determinam uma situação social de comunicação necessárias a uma representação social, a saber: “a dispersão da informação”, que no caso da loucura se deve as mais diversas características e formas de manifestação desse fenômeno; “a focalização” que no caso da loucura dependendo da proximidade que os sujeitos tem do fenômeno, os tipos de acesso à informação, o grau de escolaridade, bem como os serviços a que os diferentes grupos tem acesso, vão influenciar no tipo de olhar e entendimento que estes grupos tem sobre o fenômeno; “a pressão a inferência”, que seria a necessidade de desenvolver, no caso da loucura, comportamentos e discursos coerentes com a opinião dominante dos diferentes grupos e espaços sociais.
Referências:
GARCIA, Juliana. Representações sociais da loucura e práticas sociais: o desafio cotidiano da desistitucionalização. Brasília, 2011, pp. 1-65.
FOUCAULT, Michel. Dois ensaios sobre o sujeito e o poder, (tradução parcial do texto) in Hubert Freyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault Un parcous philosophique, Paris, Gallimard, 1984, pp. 297-321.