A cloroquina e a sua eficácia
(O texto a seguir foi escrito originalmente por Katherine Seley-Radtke, professora de Química e Bioquímica, presidente-eleita da Sociedade Internacional de Pesquisa Antiviral da Universidade de Maryland.)
Um cidadão do Arizona morreu e sua esposa foi hospitalizada após tomarem um remédio à base de cloroquina que o Presidente Trump alegou ser uma forma efetiva de tratar o COVID-19. O casal tomou a decisão de se automedicar com fosfato de cloroquina, um remédio que tinham em casa para matar parasitas em seus peixes, depois que o presidente norte-americano alegou que a droga poderia “virar o jogo”.
O doutor Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas da NIH (Instituto Nacional de Saúde), rapidamente corrigiu o depoimento do presidente, explicando que os comentários de Donald Trump eram baseados em anedotas e não em testes clínicos controlados.
Eu sou uma química e médica que se especializa em descoberta e desenvolvimento de drogas antivirais, e eu estive estudando coronavírus por sete anos. Contudo, pelo fato de eu ser uma cientista que lida com fatos e medicina baseada em evidências, me sinto preocupada com os depoimentos do presidente sobre tratar o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, duas drogas contra a malária, como curas para o COVID-19. Portanto, vamos aos fatos:
O QUE SÃO A CLOROQUINA E A HIDROXICLOROQUINA?
Estes são dois remédios contra a malária aprovados pela FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos) que já estão em uso há muitos anos. A cloroquina foi originalmente desenvolvida em 1934 pela companhia farmacêutica Bayer, a ser usada durante a Segunda Guerra Mundial como um método de prevenção à malária.
A cloroquina e hidroxicloroquina também são usadas no tratamento de lúpus e artrite reumatoide, apesar da FDA não aprová-las para o tratamento dessas doenças.
O QUE FEZ AS PESSOAS PENSAREM QUE ESSES MEDICAMENTOS PODEM FUNCIONAR?
Depois do surto inicial da MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) em 2012, cientistas conduziram testes com milhares de medicamentos aprovados para identificar um que pudesse bloquear a infecção causada pela MERS. Várias drogas, incluindo a cloroquina, mostraram a habilidade de bloquear coronavírus de infectar as células in vitro. No entanto, nenhuma dessas drogas foram testadas extensivamente porque, no final, não mostraram atividade o bastante para continuarem a ser estudadas.
Quando o novo coronavírus surgiu, muitas drogas que mostraram resultados iniciais promissores contra os coronavírus MERS e SARS estavam no topo da lista de prioridades para serem avaliadas como possíveis formas de tratamento.
Portanto, a ciência é real, e vários laboratórios ao redor do mundo estão agora investigando e testando esses medicamentos em testes clínicos nos Estados Unidos, França e China. Mas até agora não há nenhum consenso sobre a droga ser segura e efetiva contra o COVID-19, já que os testes ainda se encontram em estágios iniciais.
POR QUE DROGAS CONTRA A MALÁRIA FUNCIONARIAM CONTRA UM VÍRUS?
Ainda é incerto como as cloroquinas (ou qualquer outro remédio antimalária) funcionariam contra COVID-19, que é um vírus. Malária é causada por parasitas Plasmodium, que são disseminados por mosquitos, enquanto COVID-19 é causado pelo vírus SARS-CoV-2.
Infecções virais e infecções parasíticas são muito diferentes, então os cientistas não esperam que o tratamento de uma funcione para a outra. Já foi sugerido que a cloroquina possa mudar a acidez da superfície das células, no entanto, de forma que o vírus não consiga penetrá-las.
Também é possível que cloroquinas ajudem a ativar a resposta do sistema imunológico. Um estudo recém publicado testou a hidroxicloroquina em combinação com uma droga antibacteriana (azitromicina), que funcionou melhor em parar a propagação da infecção do que a hidroxicloroquina conseguiria fazer sozinha. Contudo, esse foi apenas um estudo preliminar que foi concluído dentro de um grupo de teste limitado.
EXISTEM OUTROS REMÉDIOS PROMISSORES?
Até onde sei, nenhuma outra droga antimalária mostrou alguma atividade significativa contra coronavírus. Porém, outro medicamento acabou chamando atenção: Remdesivir, desenvolvido pela Gilead Pharmaceuticals, parece ser altamente eficaz em prevenir que o vírus se replique, incluindo outros coronavírus como SARS e MERS e até fitovírus como o Ebola.
No final de fevereiro o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas lançou um teste clínico com o Remdesivir. Neste mês, Gilead deu início a dois testes de Fase III com o medicamento em centros médicos da Ásia.
DEVO COMEÇAR A TOMAR ESSES REMÉDIOS PARA ME PROTEGER DO COVID-19?
De jeito nenhum. A cloroquina e a hidroxicloroquina não foram ainda apropriadamente testadas em ambientes controlados, sem mencionar os numerosos efeitos colaterais, muitas vezes também fatais.
Ninguém deve tomar um remédio cujo uso para tratar uma doença não foi comprovadamente aprovado como seguro e eficaz. Existem diversos problemas que podem surgir, desde efeitos colaterais que vão de casos sérios de intoxicação até fatalidades devido a possíveis interações com outros medicamentos ou doenças pré-existentes.
Portanto até que essas e outras drogas sejam testadas e sua eficácia aprovada pela FDA contra o SARS-CoV-2 através de testes clínicos, ninguém deve automedicar-se.
Fonte da matéria: Scientific American
Fonte da imagem: Renova Mídia